Eu e Rosana nos conhecemos a pouco menos de um mês. Ela já é mãe da linda Lavignia (parto normal sem indução), de três anos, e estava a espera do Laerte Miguel. Esse pouco tempo foi de muita intensidade para nós. Rosana viveu nesse tempo questões emocionais delicadas para qualquer mulher, em qualquer fase da vida. Em especial ao final de uma gestação.
Nas dores e dúvidas desse momento, nos apegamos mais ainda uma a outra a visitei quase semanalmente nessas semanas. Lavignia transformou-se em uma mini doula. Quando eu chegava, ela já corria atrás do balde pro escalda pés, conhecia os óleos de massagem e as divisórias de minha bolsa e sempre me ajudou na sagrada tarefa de "cuidar da mamãe". Um dia em especial me marcou: Rosana estava deitada, recebendo uma massagem com rebozo, a pequena, em sua cadeirinha rosa ao lado não quis ficar de expectadora. Puxou a mão da mãe, e começou a massagear. Pura conexão. Puro instinto. Puro amor.
A DPP era pro dia 30 do mês passado. Uma gestação sem intercorrências biológicas/fisiológicas, apesar da cabeça (literalmente) a mil. Sentia como um desafio fazê-la desacelerar um pouco. O mental ocupava todo o espaço e o corpo seguia sereno. 38 semanas, 39, 40. Pressão por todos os lados, ansiosidade crescente. Segunda-feira foi para nova avaliação e a indução foi indicada para a quarta. A ideia original dela era de ir trabalhar de dia, voltar para casa, tomar banho e ir induzir. Combinei de visita-la na terça de noite para conversarmos melhor sobre o assunto. Eu precisava ponderar com ela a necessidade, tempo, procedimentos e consequências no trabalho de parto para aquele corpo que não conhecia a indução. Se ela optasse mesmo pela indução, queria discutir sobre o inicio no procedimento durante a noite privando mais uma noite de sono. Mas, fosse como fosse, estaria com ela. Isso era o fundamental que eu queria deixar em seu coração.
Mas não há nascimento sem morte. Nem morte sem nascimento. A teia da vida nos diz. Ainda na terça, de tarde, Rosana teve de fechar um ciclo na vida. De rompante. Subitamente. Aquela mulher, inegavelmente guerreira e forte, pela primeira vez chorou na minha frente. E viveu seu luto. Miguel parecia esperar que a mãe deixasse partir os assombros de trás de sua porta. Ao nos despedirmos na terça, mais de onze da noite, o sentimento meu e de Suzana (melhor amiga de Rosana e sempre, sempre, sempre presente) era de que Miguel agora tinha o espaço que faltava para poder vir.
E na quarta-feira onde possivelmente a indução seria feita, às 4h30 da manhã, Rosana entra em contato. Contrações fortes. Ela não conseguia acompanhar os intervalos. Por telefone vimos, um pouco mais tarde, que tinham pouco mais de 5 minutos de intervalo. Cheguei na casa dela e o tumulto tomava conta daquele momento que deveria ser de paz e concentração. Rosana foi despersonificada por alguns que lá estavam. Fomos para o hospital em um contexto pra lá de inadequado para uma mulher em franco trabalho de parto. Foi perturbador. Não posso negar que a situação que vivemos entre a casa e o hospital também me abalou. Temi pelo o que viria e fomos em carros separados para o Hospital de Sobradinho.
Acompanhá-la ali já estava virando um desafio e eu não poderia entrar em um cabo de guerra junto dos outros presentes. Tentaram tirar a voz dela. Mas o fluxo da vida é forte, mas sereno. Não conseguiram. Dos seguranças a equipe de enfermagem do acolhimento, todo o carinho, cuidado (e limite) fizeram o tumulto passar. O pai de Miguel colaborou enormemente no fim do conflito instaurado.
E ela foi avaliada: 9 cm de dilação e colo totalmente apagado. No Centro Obstétrico e fomos recebidas de maneira muito amorosa, delicada e cuidadosa pela equipe de obstetrizes. A chefe da enfermagem, Ada (maravilhosa mulher!) ressaltou que ela teria toda a liberdade de escolher onde e como parir. Ela e Juliana nos acompanharam por quase todo o tempo. Só pediu para avisarmos casa fosse no banheiro para que pudessem trazer o necessário. O banheiro, enorme, tinha bola de pilates, cavalinho, barras, chuveiro... Rosana inicialmente queria fica no vaso. E assim foi feito. Ada fechou o registro para que a descarga não entrasse em funcionamento.
Rosana estava se sentindo fraca: havia dormido pouco nos últimos dias e se alimentado pouco. E dá-lhe mel. Horas depois, no segundo toque, os mesmos 9 cm e perceberam que na verdade o colo não estava apagado. Rosana oscilava entre o querer fazer algo que acelerasse o processo e a busca de algum descanso entre as contrações. Saímos do banheiro, fomos para a área reservada. Ampla liberdade de movimento. Mas naquele momento ela queria ficar deitada. A maca foi reclinada e os apoios dos pés colocados para ajudar na força.
As 11h26 chegou o cabeludo Miguel, pelas mãos da Juliana, nascendo também como parteira. Primeira vez minha, dela, do Miguel, da Rosana como mãe desse bebê. Chegou lindo, gordinho e guloso. Foi colocado imediatamente no colo da mãe. O cordão não permitia que ele chegasse ao seio. Esperaram, cortaram o cordão e ele veio com um chorinho de estranhamento do novo mundo que rapidamente passou. A equipe superou minhas melhores expectativas. Nenhuma intervenção, nenhum procedimento não informado e esclarecido.
Enquanto fui avisar ao pai e a Lavignia de sua chegada, o pequeno foi avaliado e passou pelos procedimentos padrão. Veio com um olhão observador, encarando todos e sugando tudo: lençol, mão, braço, dedo, peito. 50 cm e 3.820kg de muita gostosura.
Rosana lacerou. Segundo Ada, a profundidade de cortes bem inferior a episio que fizeram no parto da Lavignia. Apesar disso, foram momentos tensos o da sutura, apesar da anestesia. Avalio toda a experiência hospital do parto da Rosana como 98% maravilhoso. Tivemos dois breves momentos, com outras pessoas da equipe, de um pouco de falta de tato. Questões pontuais e que fazem parte da experiência humana. Não mudam a beleza do que foi.
Meu coração não cabe em mim: pela confiança da Rosana, por ter assistido esse sagrado nascimento, pela partilha desse acompanhamento, pelo olhar de doçura da equipe, pelos muitos aprendizados. Aprendi muito com aquelas mulheres. Passional que sou, tasquei um beijo na Ada (acho que ela assustou :p).
Rosana, pra você já disse e repito: gratidão, gratidão, gratidão, gratidão. Por compartilhar sua intimidade, suas dores, dúvidas, sua casa, seu corpo e seu parto. Não tenho nenhuma dúvida de que o “novo sempre vem” e que sua vida seguirá, com aprendizados, tropeços mas muita beleza. Bem vinda a nova vida, mulher linda, forte, que pode chorar e pedir colo. Que tem muita lindeza pra viver nesse plano. Emoticon heart
Milena Araguaia, a Raposa.