quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

trabalho de parto

O texto de hoje é sobre o trabalho de parto, sobre aquelas coisas que a gente sabe que vão acontecer mas, ao mesmo tempo, tem medo delas. Sim, é isso que vamos fazer juntas: falar abertamente sobre o que acontece no trabalho de parto, sobre nossos medos, sobre o que deveria acontecer. Sendo assim, as que já passaram por essa experiência podem vir contar de que maneira encararam as questões que eu vou levantar aqui e as que ainda não pariram vão poder entender um pouco melhor esse processo. Quero muitos comentários, porque quanto mais relatos e experiências, mais as mulheres que nunca passaram por isso estarão preparadas. Contem como os elementos que eu vou trabalhar aqui aconteceram – ou não – no seu parto.
Para começar, quero dizer que o movimento pela humanização do parto é maravilhoso, uma vez que encoraja, empodera as mulheres para terem um parto natural. Porém, muitas vezes, a romantização do parto faz com que as mulheres entendam simplesmente a parte do “é lindo”. Mulheres, é lindo, sim. Se ter filhos fosse apenas gestar e parir eu teria mais uns 20. Porém, não se iludam. É lindo exatamente porque, no parto, nós morremos e renascemos. A dor das contrações é a dor mais cachorra e bandida que existe no mundo. Sim, ela não é contínua e, entre as contrações, há tempo para respirar e recuperar as forças, mas é uma dor de morte, mesmo. Alguns dizem, inclusive, que é a morte da filha (papel que exercemos desde que chegamos no mundo) para o nascimento da mãe (papel que passaremos a exercer com muito mais força do que o de filha a partir daí). Vocês entenderam direitinho? É uma dor tão intensa, tão violenta, que faz com que as mulheres vomitem, tenham diarreia, chorem, gritem e realmente, por alguns instantes, vejam a face da morte. Entenda: eu não estou querendo fazer você desistir. Estou só te preparando para o que vai acontecer, porque eu tenho visto mulheres no início do trabalho de parto já desesperadas, porque não imaginavam que fosse ser daquela maneira. Sim, nós vamos tentar de tudo para tentar aliviar essa dor, para tentar fazer com que você passe por ela da forma mais confortável possível. Vamos te prover de um ambiente sereno e tranquilo para que você possa estar focada apenas nesse processo tão forte de aceitar uma dor que te abre inteira por dentro e deixar seu bebê passar por ali. Essa dor é necessária, ela te prepara e prepara o seu bebê para o encontro fora do útero. Nós vamos te amparar nesse momento, mas não podemos atravessá-lo por você, não podemos sentir nem tirar a sua dor. Você vai ter que entendê-la, aceitá-la, sofrê-la intensamente, entregar-se a ela e ao que está acontecendo, entregar-se sem reservas mesmo e você vai ver que, depois que passa, você é uma outra mulher. Você atravessou o vale da sombra e da morte e não só sobreviveu, como chegou à maternidade muito mais forte, capaz, preparada. A sensação, quando passa o trabalho de parto e temos nosso bebê no colo, é a de que nós somos capazes de fazer qualquer coisa, é a sensação da super mulher, da mulher renascida das cinzas.
Outra coisa que é preciso destacar e que vou trabalhar aqui da forma mais detalhada possível e com o máximo de implicações que isso traz, é de que parir é um evento fisiológico. Dizer que algo é um evento fisiológico significa dizer que as funções mecânicas, físicas e bioquímicas envolvidas são naturais daquele ser vivo, ou seja, que é um processo natural do seu corpo. Quando engravidamos, as forças da vida trabalham em nós e fazem com que ocorra a fecundação e com que aquele novo ser vivo de desenvolva e cresça até estar pronto para nascer, sem que tenhamos qualquer controle. No parto, ocorre o mesmo: as forças da vida trabalham para que aquele novo ser seja dado à luz, venha para o lado de fora. O problema é que a nossa sociedade é tão “consertadora”, é tão acelerada e é tão medicalizada que às vezes fica difícil simplesmente deixar a vida trabalhar. Vamos pensar aqui em um outro evento fisiológico: a digestão. Quando você come, você digere e excreta o que o seu corpo não utiliza. Você não controla esses processos, eles simplesmente acontecem. Você não come e vai para o hospital ser monitorada porque, ah, vai que acontece alguma coisa! Ou porque, no hospital, existe uma série de recursos que podem te auxiliar a digerir melhor. Você sabe e confia que aquilo irá acontecer naturalmente. Mas digerir a gente digere todos os dias, e em uma sociedade em que todas as pessoas comem e digerem o dia todo. Já o parto, embora seja tão fisiológico quanto, é um evento que acontece apenas uma ou algumas poucas vezes na vida, e em uma sociedade em que as mulheres estão perdendo o hábito de simplesmente parir, devido às várias intervenções médicas. O problema é que as mulheres estão, de forma geral, deixando de confiar, deixando de permitir que a natureza aja, deixando de entregar-se à vida para que ela trabalhe.
Voltando aí à ideia da digestão, imagine agora que você acabou de almoçar. A digestão é um processo fisiológico e natural, certo?! Ela vai acontecer naturalmente. Agora imagine que, logo após esse almoço, chega na sua casa uma visita inesperada, com cinco crianças que começam a correr e gritar pela sua casa. A digestão vai acontecer da mesma forma que aconteceria se, depois desse almoço, você se sentasse um pouco no seu sofá, em silêncio, para descansar um pouco antes de voltar ao trabalho? Então, dependendo do ambiente, a digestão pode acontecer da forma mais tranquila possível, pode se tornar incômoda e desagradável ou pode, até mesmo, ser interrompida (a agitação é tanta que, em vez de digerir, seu corpo expulsa aquele alimento). O mesmo acontece com o parto. Quanto mais mamífero, quanto mais neurofisiológico for o parto, melhor. O hormônio responsável pelas contrações, a chave de todo o processo do parto, é a ocitocina. Esse hormônio é produzido naturalmente pelo nosso corpo. Porém, trata-se de um hormônio “tímido”. Ele se encolhe na presença da adrenalina. A adrenalina é produzida pelo nosso corpo em situações de estresse ou perigo, quando o cérebro sente que algo ruim vai acontecer. Então, se durante o trabalho de parto, você se sentir com medo ou nervosa, a ocitocina não será liberada da melhor forma, seu trabalho de parto não vai progredir tão tranquilamente. Fora que a adrenalina é o 'start' do ciclo MEDO – TENSÃO – DOR: a mulher sente medo, consequentemente ela tensiona o corpo, quanto mais tensionado o corpo, maior a dor, quanto maior a dor, maior o medo… Entendeu como esse parto será muito, muito mais penoso para a mulher? Precisamos evitar esse ciclo! E como fazer isso?
O objetivo de todas as pessoas que estarão ao seu lado durante o parto tem que ser o de prover um ambiente calmo e seguro para que a mulher consiga relaxar e se entregar ao processo do parto sem medo. E, como a dor é muito intensa, ela já tende a ter medo! É preciso sempre lembrar a ela de relaxar, é preciso sempre lembrar a ela de que aquela dor é natural e faz parte do processo, é preciso sempre lembrar a ela de que as coisas estão progredindo conforme o esperado. Se alguém ao redor começa a ter pena da mulher, começa a ficar com medo de as coisas saírem do controle, começa a achar que algo não está certo, essa pessoa começa a liberar adrenalina. Só que a linguagem falada com uma mulher em trabalho de parto é muito pouco verbal. A linguagem do olho no olho, do toque, dos cheiros, é muito mais forte que as palavras nesse momento. Aliás, quanto menos palavras, melhor. Só que essa mulher vai sentir, acredite, vai sentir no olhar, no cheiro, no ambiente essa adrenalina, e vai começar a produzir adrenalina também, porque vai imediatamente, num processo de defesa, começar a procurar o que é que está errado. Então se o marido começa a ficar muito nervoso, por exemplo, é melhor que ele saia de perto, vá comprar um pão, vá “ferver água”, como orientavam as parteiras antigas. Porque quanto maiores forem o relaxamento, a concentração e a entrega da mulher durante o trabalho de parto, menos dor essa mulher vai sentir, mais rápida será a dilatação e mais prazerosa será a experiência do parto como um todo. Entendam, então, que parir não envolve saber parir, envolve, sim, uma grande entrega a esse desconhecido, o conseguir manter a calma e, mesmo em meio a intensas dores, acreditar que tudo está como deveria ser, que seu corpo vai fazer o que precisa, que aquilo vai passar, que logo seu bebê chega. Então, para aliviar a dor, temos dois segredos: PRIVACIDADE e CALMA.
E como podemos nos preparar para isso? Lembrem-se de que a mente aqui é a chave do processo. Então é importante que qualquer medo que surja durante a gravidez não seja ignorado. Precisamos jogar luz sobre os nossos medos, analisá-los racionalmente, é assim que os medos são enfrentados. Então suponhamos que, durante a gravidez, você tenha medo de morrer durante o parto. Em vez de bater na madeira e dizer “Credo!”, você precisa analisar isso. Espera aí, quais são as chances reais de isso acontecer? Há algo que eu possa fazer para evitar isso? Depois de analisar, você pode entrar em contato com a mesma vida que te fez mulher e que te fez gerar, chame você de Deus, de Deusa, de forças ocultas do universo, abrindo e expondo esse medo. Não varra para baixo do tapete, pois nossos medos, se não trabalhados, voltam muito intensamente no momento do trabalho de parto. Outra coisa importante é planejar muito bem quem estará com você durante esse processo. De repente, por exemplo, você ama muito a sua mãe, e acha que seria muito bom tê-la ao seu lado nesse momento. Mas as mães costumam ter muita dificuldade em ver os filhos sofrendo… Será que, na intensidade das contrações, a reação da sua mãe vai ser de tranquilamente dizer “Calma, filha, é assim mesmo, vai passar” ou vai ser de “Você não acha melhor irmos agora para um hospital ver se está tudo bem mesmo?”? Será que a pessoa que você escolheu vai pensar que você poderia gostar de um comer uma banana e vai lá buscar e colocar perto de você ou vai interromper todo o seu processo e concentração para dizer “Ei, você quer uma banana? Não? Tem certeza?”? O bom é ter com você alguém que, de preferência, saiba o que é parir, entenda como esse processo funciona e consiga te passar tranquilidade. É melhor afastar qualquer pessoa muito nervosa ou estressada desse processo.
Saiba que nenhum parto é exatamente como a gente imagina que será, por mais que tracemos plano de parto. Porque você e seu corpo vão ditar o ritmo e as regras. Eu não já falei que trabalho de parto é entrega? Entrega é exatamente abrir mão do controle! Não adianta você querer ficar checando se seu plano de parto será cumprido ou não! Você precisa confiar no seu acompanhante e na equipe que escolheu, saber que nem tudo será perfeito e deixar que as coisas aconteçam como têm que acontecer. Você planeja, empodera, se cerca de pessoas também empoderadas, faz tudo o que puder para ter o parto dos seus sonhos, mas já se prepare psicologicamente para as coisas não serem exatamente como você espera.
E esteja com a sua doula! Sempre que puder! Para trabalharem os medos, para falarem de parto, para planejarem, para rirem, esteja com ela” Quanto mais vinculadas vocês estiverem, melhor ela vai conseguir te entender e apoiar na hora do seu parto!
(Elisa Costa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário