terça-feira, 18 de agosto de 2015

Nascimento de Alice, filha de Raquel, neta de Júlia

Raquel me mandou mensagem na segunda-feira cedinho, dizendo que estava com contrações desde 2h da manhã, com dores fortes, mas suportáveis, e sem perda de líquido. Ela mora em Santo Antônio do Descoberto e eu em Águas Claras, mas fiquei preocupada por ser a primeira vez que ela entrava em trabalho de parto, quis tranquilizar a família e ensinar a ela como lidar com as contrações. Então tomei um banho, café da manhã, deixei meu filho na escola e fui encontrá-la.
Chegando lá, a casa estava cheia. Marido, duas irmãs, sobrinha, logo chegou a mãe também. Conversei com ela, acompanhei algumas contrações, ensinei aos acompanhantes como aliviar a dor, tranquilizei a família. Vi que as contrações estavam bem irregulares, então deixei Raquel nas boas mãos da família e fui buscar meu filho, almoçar e descansar um pouco.
Voltei para a casa da Raquel lá pelas 15h. As contrações continuavam irregulares e a casa continuava cheia. As contrações estavam bem mais doloridas, então fiz bastante massagem para aliviar e, quando ela estava mais tranquila, saímos para caminhar. Durante toda a caminhada, com direito a parada para agachamentos no parquinho, as contrações param totalmente. Quando voltamos para casa e o corpo dela esfriou, elas começaram a vir fortes e entrando em um ritmo de uma a cada 6, 7 minutos, mais doloridas. Achei que o trabalho de parto fosse engrenar ali, mas elas perderam o ritmo.
Já eram umas 19h quando chamei Raquel e o marido no quarto, apaguei a luz, coloquei uma música e deixei os dois namorando e ela com a missão de rebolar e agachar pra ver se as contrações engrenavam. Ela logo se queixou de cansaço e sono, então falei para ela deitar e descansar, e tive a sensação de que não seria aquele o dia do nascimento da Alice. Ela foi deitar, mas não ficou meia hora deitada e foi pro banho. No meu entendimento, era hora de ela descansar e poupar energia para o parto, sossegar. Mas a família estava começando a ficar visivelmente tensa e com medo de algo estar errado. Reuni todos na sala para explicar que ela não estava ainda em trabalho de parto ativo, que eram apenas os pródromos, e que aquele estado podia durar muitos dias. Orientei a, caso eles se sentissem inseguros, que fossem ao posto de Santo Antônio mesmo para que o médico ouvisse os batimentos cardíacos do bebê e fui para casa descansar.
Pouco depois, ela me mandou mensagem dizendo que estava indo para o Hospital da Samambaia. Aí começou o circo de horrores... No hospital da Samambaia, não queriam atendê-la porque o pré-natal tinha sido eito na Ceilândia. Insisti muito e eles a avaliaram. Ela estava cm 1cm de dilatação apenas. Ela ficou desesperada, mesmo eu explicando que no primeiro parto a dilatação demora mais porque primeiro o colo do útero tem que apagar para depois dilatar. A madrugada em claro e a falta de sono durante o dia começaram a pesar. Eram cerca de 23h quando ela decidiu ir para o Hospital de Ceilândia, para onde ela não queria ir, mas concluiu que seria a única opção. Falei que seria melhor ela ir para casa e esperar pelo menos até a manhã seguinte, descansar, mas ela estava mesmo muito nervosa e decidiu tentar ser atendida no HRC e pedir a cesárea, que imaginei que seria feita por ela já estar com 41+3 semanas.
No Hospital da Ceilândia, um daqueles espécimes de "profissional" que faz a gente temer pelo futuro dos seres humanos. Um médico tosquíssimo, que não deixou ela entrar acompanhada, que fez um toque brutal dizendo "Tava com 1 cm? Peraí! (forçando a abertura na marra) Agora tá com três!". Ela gritou de dor com o 'toque' cruel, e ouviu "Cala essa boca! Levanta da maca e senta naquela cadeira! Rápido!". O resto de tranquilidade e sanidade que a Raquel tinha a abandonou nesse momento e ela chorava muito. Resolveu que naquele hospital, com aquele médico, ela não ficaria mais e foi para o HMIB. Lá, o médico queria induzir o parto. Já estava quase amanhecendo, 28 horas com contrações e segunda noite sem dormir, ela implorou por uma cesariana, mas não a ouviram, dizendo que ela "ainda aguentava muito".
Ela decidiu, então, fazer um sacrifício nada pequeno e pagar pela realização de uma cesariana em um hospital particular. Foi, então, internada e, às 9h25min, nasceu Alice, com 51cm e 3.865kg. Forte, gordinha, linda demais da conta. Mãe e filha passam bem, Raquel provavelmente dormirá o resto do dia de tão exausta.
E a doula aqui, vai passar o dia digerindo, sabe?! Tentando digerir esse sistema que maltrata, que humilha, que rebaixa a mulher num momento tão importante. Tentando entender o medo que as pessoas têm do parto e a necessidade de estar em um hospital. Tentando absorver a quantidade de procedimentos cruéis e desnecessários que é feita num recém-nascido. Tentando compreender porque esses procedimentos não podem ser feitos ao lado da mãe, por que essa criança é levada para outra sala. Tentando aceitar que, por risco de infecção, assim que o bebê nasce a mulher não pode mais ter um acompanhante ao seu lado. Tentando crer que toda vez que eu, como doula, quiser ver um bebê de doulanda minha nascer vou ter que implorar e aceitar pacificamente ser deixada de lado na hora que aquela mulher mais precisa do meu apoio. A doula está aqui de estômago embrulhado, percebendo claramente como são duros os limites de sua profissão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário